quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Professora Eliane: uma luz que nasceu no rio



A professora Eliane nasceu no trigésimo dia do mês de novembro de 1964. Jaraguaense, viveu grande parte de sua vida na comunidade de Rio da Luz, onde cursou os primeiros quatro anos do Ensino Fundamental. Foi na mesma comunidade que, aos quinze anos, iniciou sua carreira no Magistério. “Nasci tão perto da escola, que apenas uma parede separava nossa residência da sala de aula”, escreveu a professora Eliane na justificativa de seu projeto de pesquisa para o curso de Especialização em “Metodologia do Ensino”, que ela cursou, em 1994, no Centro Universitário de Jaraguá do Sul. Essa proximidade com a sala de aula deveu-se ao fato de ser filha de Darci Franke Welk, professora por mais de vinte anos na “Escola de Rio da Luz II”, hoje denominada “EMEF Henrique Heise”, que na época continha também a residência onde sua família morava.

A formação para o Magistério da professora Eliane iniciou no Ensino Médio, cursado no “Colégio Divina Providência”, em seguida no curso de Pedagogia, da “Associação Catarinense de Ensino”, em Joinville e no curso de Especialização, do “Centro Universitário de Jaraguá do Sul”.

A primeira experiência no Magistério, tendo a mãe como colega de trabalho, na então “Escola Isolada Rio da Luz II”, foi determinante para a sua futura atuação profissional e, em grande parte, ao que a professora Eliane representou para os profissionais da educação que com ela conviveram.

Quando se contempla sua atuação como diretora na Rede Municipal de Jaraguá do Sul, e, principalmente, em seus últimos anos de vida como gestora na “EMEF Albano Kanzler” compreende-se a importância da experiência que originou seu “jeito de ser”, no sentido mais marcante e bonito para o início de uma carreira. O relato versa sobre como podia ser desafiadora a função de professora recém-concursada na Rede Estadual e como chegou à sua primeira experiência como diretora da “EMEF Helmuth Guilherme Duwe”. Ouçamos a própria voz da professora Eliane nessa narrativa1:

(…) após ter prestado Concurso Público Estadual, efetivei-me na Escola Isolada Estrada Garibaldi, que ficava a dezessete quilômetros de minha residência. Esse trajeto era constituído de quatro quilômetros subindo serra e treze para descer. Ida e volta, trinta e quatro quilômetros, estrada de chão e muito emburacada.

Foi um ano difícil na questão financeira. Como não havia ônibus que passasse na escola, sujeitei-me à condução própria e no final do mês, o salário não cobria o combustível que gastava. Mas o que importava era a realização pessoal e a minha situação no quadro de pessoal do Estado. Foi uma experiência válida, para um despertar aos vários desafios que encontrei no decorrer do ano.

Apesar de ser uma escola pequena com apenas dez alunos (…), além de lecionar e fazer a limpeza com os alunos, preparava a merenda na própria sala de aula e estavam incluídos ainda o cultivo de uma horta e a limpeza do pátio. Por serem tão poucos alunos, é que foi possível me aproximar deles, chegar bem perto de cada um, fato este que me levou a um relacionamento e envolvimento afetivo muito grande. Formávamos um grupo onde as tarefas eram divididas e o resultado dos objetivos sempre foram alcançados.

Ao iniciar o ano letivo, visto tratar-se de uma nova realidade, onde tudo era desconhecido, inclusive o nível de aprendizagem que possuíam, resolvi fazer um ditado para saber onde iniciar. Para minha surpresa, deparei-me com o fato de que havia alunos na 2ª e na 3ª série que precisavam ser alfabetizados. Guardei as folhas nas quais fizeram o ditado e no final do ano as devolvi. Lembro do espanto de alguns que diziam: “Fui eu que fiz isso aí?” Naquele momento percebi o quanto foi gratificante a minha dedicação e empenho frente a esses alunos. Houve sintonia que resultou num trabalho positivo. Não posso deixar de citar a colaboração dos pais para que isso acontecesse.

O meu carinho pelos alunos era tão grande, e como não havia retorno financeiro para presenteá-los, marcamos uma data, consultamos os pais e os convidei para passarem um dia na minha casa. Isto aconteceu na Semana da Criança. Coloquei-os todos dentro do meu Parati e nos dirigimos a Rio da Luz, onde morava. É impossível descrever a emoção que se estampava no semblante de cada um. Foi um dia diferente. As refeições foram feitas em conjunto pois todos cabiam na mesa da cozinha.

O fim do ano chegou. Fizemos uma celebração de Natal juntamente com os pais que nunca haviam participado de uma festa de Natal na escola. Nesta comemoração cantei hinos de Natal, acompanhada de violão que eu mesma tocava.

Sabendo que o estágio probatório era de um ano, os pais estavam conscientes de que eu não voltaria no ano seguinte. (…) então surgiram as propostas deles me pagarem uma parte do combustível, uma mensalidade que ajudasse nos meus custos, mas consegui que percebessem a inviabilidade do pedido.

Pelo bom desempenho que tive nestes anos, recebi o convite de responder pela direção de uma Escola Reunida mais perto de minha casa. Foi uma proposta irrecusável. Era uma escola recém-criada que começou a funcionar com uma turma de 5ª série. Só mais tarde foi decretada Escola de Primeiro Grau com as séries sendo implantadas gradativamente. Isto fez com que eu respondesse pela direção, secretaria e ainda lecionava Português e Educação Artística. Atualmente a escola possui trezentos alunos de pré-escolar a 8ª série”.

A professora Eliane, na época, já se perguntava sobre o papel da afetividade na aprendizagem dos alunos. Ela conclui seu texto afirmando: “a afetividade não é uma utopia (…) é possível ser cultivada e que ela em grande parte é responsável pelos resultados da aprendizagem em nossos dias.” Quem conviveu com a Professora Eliane certamente pode afirmar que ela cultivou as qualidades mais desejáveis: solidariedade, compaixão, dedicação, fé no ser humano.

A professora Eliane pode ser considerada uma das pessoas mais empenhadas na luta por uma educação pública de qualidade. Através de seu incansável investimento na educação de crianças e jovens, atuou com dedicação e competência até o fim de sua vida, que ocorreu no dia 1º de agosto de 2014, aos 49 anos.

Para quem conviveu com Eliane, ficou a saudade. Para quem trabalhou com ela, ficou o exemplo.



1Este texto é de autoria da professora Eliane e consta do projeto de pesquisa do curso de Especialização em “Metodologia do Ensino”, cursado em 1994, no Centro Universitário de Jaraguá do Sul, sob orientação da professora doutora Amândia de Borba, da Univali. O referido trabalho encontra-se atualmente arquivado na Biblioteca da Universidade Católica de Santa Catarina.   

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Os motivos que a minha escrita tem


Não sei bem quando comecei a escrever.
Acho que foi antes dos treze
bem na época que inicia a puberdade nos seres humanos.
Não sei de onde vieram as primeiras palavras lançadas no papel.
Apenas aconteceu...
Não era para ser escritora.
Sabia pouco sobre a língua.
Intuía que deixar palavras escritas, vindas de um lugar desconhecido de dentro de mim,
fariam eu experimentar uma sensação de terapia constante.
Era a angústia de viver que surgia.
Essa tal de angústia existencial, próxima dos tímidos e recolhidos.

Lá em casa ninguém sorria à toa.
Também ninguém escrevia além do que exigia o magistério de minha mãe.
Então por quê eu tinha de escrever?
Livros não havia lido, textos não eram escritos na escola da época.
Como a escrita, então, tornou-se meu instrumento de comunicação?

Logo minhas poesias e poemas mal escritos começaram a incomodar.
Fiquei sabendo que a minha angústia me tornava uma inadequada.
Tudo teria sido melhor se eu não sentisse nada.
Se eu encarasse a vida com mais coragem.
Se eu tivesse buscado meus próprios caminhos.

Mas a vida não foi perfeita.
Tinha que cumprir minha tarefa de menina boazinha.
E desisti de fazer algo com minha vontade de escrever.
Transformei minha escrita numa panaceia, uma fuga para tudo o que me acontecia.
Até hoje.



quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

O nome dos medos


Madrugada serve para isso...
Descobrir a origem de nossos medos.

Comecei percebendo que todos os medos se originam de dentro de mim.
O contrário do que supunha.

Não tenho medo das coisas que me cercam, quase de nada.
Mas das que estão escondidas dentro do meu pensamento.

Então é fácil nominá-las. Eu as conheço pois todos os dias entro em contato com meus temores.
Nada está fora que não esteja primeiro amedrontando por dentro.

Medo número um: escolher algo e depois concluir que não foi o melhor e ter de conviver com a escolha indefinidamente.
Medo número dois: sentir tédio cotidianamente.
Medo número três: sentir a fraqueza do meu ser diante dos desafios cotidianos.
Medo número quatro: covardia em razão da acomodação.
Medo número cinco: medo de ter de enfrentar dificuldades financeiras.
Medo número seis: medo de ficar depressiva e não conseguir reagir.
Medo número sete: encarar a vida sem cor e se resignar a sua completa falta de sentido.

Os medos vão sendo desenhados em mim à medida que vou racionalizando minhas reações físicas.

O medo não tem a menor graça. Escrever sobre o medo só faz bem a mim.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Os medos e minhas avós



Os pensamentos não param de vir...
Alguns são coloridos e leves,
Outros pesados e assustadores.
Alguns fazem rir, outros entristecem o pensador.

Ultimamente os meus pensamentos me têm feito algo a mais: suar.

Durante parte de minha vida, com minhas avós, não fui preparada por elas sobre o descompasso dos hormônios resultarem em suores movidos pelos pensamentos.

Por quê elas não me descreveram esse fenômeno?
Ah, minhas avós não tinham medo. Elas faziam, viviam, sonhavam, dormiam diferente.
Nenhuma delas havia estado por quarenta anos fazendo a mesma coisa.

Elas não tinham colado na carne o cheiro da sala de aula.
Elas não tinham a marca das falas das crianças nas suas memórias.
Elas não estavam preocupadas se o tempo ocioso lhes causaria vazio e tédio.

Minhas avós superaram há muito tempo o chicote do julgamento.
A vida delas foi bonita. À maneira delas.

Uma, parecia-me próxima, carinhosa e frágil, para não dizer, adoecida desde seus dezesseis anos, quando se casou.
A outra, um farol de luz e força. Decidida e pouco afeita a queixas. Ainda que seus dedos tortos de artrose a tivessem denunciado.

Invejo minhas avós porque elas já conseguiram morrer. E morrer deve ser terrível. Morrer deve ser a personificação do medo. Não haverá medo maior do que aquele que anunciará a nossa morte. E elas, ah, elas, tão corajosas, já não terão mais de ter calores e suores de vida.

Eu devo muito as minhas avós. De alguma forma não responsabilizamos as avós por nossas mães terem sido o que foram. Nossas mães sempre serão as piores criaturas que alguém pode ter conhecido porque nunca poderemos entender as verdadeiras razões porque fizeram isto ou aquilo. As mães vão sempre carregar parte de nossos erros e sentiremos eterno prazer em dizer que por causa delas não fizemos grande coisa com nossa vida.

As mães, diferentes das avós, são voz corrente nos consultórios de terapia e levarão os créditos de quase toda nossa frustração. Não podemos viver sem nossas mães. Temos de responsabilizá-las porque a vida dá muito medo. Sem elas e suas próprias histórias e razões, nossas vidas teriam que assumir os riscos, os piores riscos que metem medo.

Nossas avós recebem um sorriso de leveza. Com elas conseguimos ser melhores do que realmente somos. Elas conseguem nos idealizar. Elas conseguem deixar que sejamos pouco e muito.