terça-feira, 3 de novembro de 2009

O mundo sem mim


"Conte-nos as novas, Peter. Conte-nos como vai o mundo sem nós" (FELDMAN, 2006, p. 90).

A vida é isso...
Mortal, como condição humana, levanto dia primeiro de janeiro como em outro dia qualquer. Sinto fome, quero ver como está o dia. Arrumo a cama, lavo a louça, pego a vassoura e tiro teias de aranha do banheiro, troco de pijama, já estou suando. Molho as plantinhas da sala, vejo minha filha em frente ao computador ouvindo sua música predileta.

O dia está nublado, o gramado contém gotículas de chuva, a vizinhança silenciosa, prepara o almoço, o meu está na geladeira pronto desde ontem porque inteligentemente hoje, dia primeiro do ano, não quero cozinhar. A casa organizada, sento, leio um pouco já que ninguém no mundo precisa de mim ou que eu esteja em outro lugar.

Entrar em contato com esta condição é altamente educativo. A sua vida é simplesmente insignificante para o planeta, porém, absolutamente perfeita. Não há nenhum problema grave, não estou ansiosa, todas as dificuldades já passaram.

Ganho hoje uma pequena aposentadoria, que, se bem esticada, dá para me manter e à minha filha. Por certo se eu ficar em casa vinte e nove dias, apenas saindo para buscar esse dinheiro e pegar alguns livros na biblioteca, implorando, é claro, contra as regras, que se estenda o prazo de empréstimo, tudo sairá bem. E o melhor (ou o pior, talvez) é que isso é realisticamente possível. Basta se contentar com uma vida simples, solitária, pacífica e aquietada. E o melhor é que não me importo porque sei que terei paz. Não terei ansiedade, não me provocarei doença alguma: nem gastrite, nem herpes, nem depressão, dores de cabeça ou algo assim. A vida se resumirá em aguardar a velhice feliz e tranquila. E o que tem isso de errado? Eu vejo que nada!!! Nada mesmo! Não me importo mais com o mundo enlouquecido, que corre para fazer a economia girar. Na verdade, precisamos de muito pouco para sobreviver. Precisamos, geralmente, de muito mais se quisermos ajudar a engordar as contas bancárias daqueles que nos querem vender as necessidades inventadas pelo capitalismo. Nesse mundo eu preciso de creme, batom, muito shampoo. Preciso de vários trajes, para andar no meio dessa gente que empina o nariz.

Mas, se eu passar mais tempo em casa, farei muita economia. Vou economizar até na cerveja que, como boa pessoa, não comprarei, porque, afinal, não cabe no meu orçamento.

Economizarei muita gasolina e poderei aproveitar para fazer aquela caminhada que agora, como mais um modismo, até os médicos estão indicando. Não é só frescura de engravatado que sobe e desce de elevador e depois passa duas horas na esteira da academia.


Não farei novas amizades para não ter de convidar à minha casa. Café e bolo não cabe em meu apertado orçamento.
Chamarei uma vez por mês os rapazes para roçarem o gramado e nos outros vinte o nove dias eu acharei a grama alta saudável para ela mesma e até bonita, se bem olhada.
As unhas farei no dia em que busco o dinheiro da aposentadoria porque, afinal, eu as esconderei durante todos os dias restantes do mês. Não haverá ninguém para me recriminar de que as cutículas já avançam sobre as unhas.
Contarei até as bananas da fruteira e, provavelmente, comerei algumas contra minha vontade.
Contarei o dinheiro de minha carteira várias vezes e simularei alguns gastos extras para ver se o dinheiro alcançará o quinto dia útil do mês seguinte.
Agirei em piloto automático, afinal quem precisa de cabeça para viver uma vida tão previsível? Pagarei a energia, a água, a sky, as aulas de violão da minha filha, bem como o seguro do carro, que é já velho, tem oito anos de uso, mas é meu e está pago.
Isso tudo me dá muita satisfação pois eu mesma me economizo. Ao não sair para trabalhar, não ganho dinheiro mas também não aumento minhas despesas. Se sentar com um contabilista... (texto em digitação)