quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Infância e dinheiro


Não é nada. Para os outros, não é mesmo.
Mas na minha vida, essa imagem não me deixa mais em silêncio. E vou tomá-la como pretexto para falar muito mais do que sugere o título. Falarei de tudo, e, talvez, nada sobre dinheiro especificamente. Mas, então, para quê esse título?

Quatro adultos e uma criança. A criança sou eu. Tenho nove meses. Era um dia de junho.
A foto aconteceu por causa das Bodas de Prata de meus avós, esses que me amparam.
Cada rosto possui sua própria história. E essas quatro histórias nunca fizeram tanto sentido quanto agora. Agora que tenho mais idade do que qualquer um deles. Só eu fiquei nesse mundo para contar um pouco sobre o que resultou existir nessa trama familiar.

Já me dei conta de que não sou capaz de inventar um romance. Não encontro o sentido.
Sou eu mesma uma história a ser contada. E o melhor suporte que encontrei para sustentar essa ideia foi esta fotografia. No começo parecia a imagem que eu já tinha olhado dezenas de vezes. Talvez ao longo de minha vida tivesse utilizado até das mesmas frases. Sempre resumidas e revelando pouca atenção aos detalhes.

Neste momento histórico, em que encerrei minha profissão, algo de um tempo disponível se fez. Não, não foi isso. O que tenho feito com muito empenho é descobrir como se pode viver com simplicidade, com poucos recursos e com a resoluta decisão de não mais ter emprego, horários a cumprir e projetos educacionais mirabolantes para a educação das crianças pequenas. Confesso que o que me inspirou foi a enorme dúvida se se é capaz de sobreviver com um mísero salário de aposentadoria. E assim explico o título. Estou falando de minha infância e de minha relação com o dinheiro a partir dessa imagem, em que me encontro rodeada pelas pessoas mais importantes que "DEVERIAM" ter me educado financeiramente.

Estou, no fundo, referindo-me à colaboração das primeiras pessoas com as quais convivemos e que estão encarregadas de "depositar" (pois é disto que se alimentam os primeiros encantamentos pelo mundo) em nós os primeiros sonhos que teremos um dia. Meus pais e meus avós, esses que amei porque eles me amaram, foram os responsáveis pela minha recente necessidade de mudar hábitos e práticas cristalizadas por anos de equivocada relação com o dinheiro. Essa constatação de minha sofrível relação com o dinheiro não reside no desejo de, através de lamentações e desânimo, afirmar que eu deveria ter trabalhado mais, lutado mais, ambicionado mais. Não é nisso que mora o cerne da discussão e de minhas reflexões. A questão é: liberdade para escolher o equilíbrio, coisa que fazem as pessoas que um dia tiveram pais e avós bons educadores financeiros.

A fotografia será meu parâmetro. Um enquadramento para não me perder em muitos outros devaneios, ainda que ficar focado em meu objetivo exija que eu fuja da simples descrição, pois, na verdade, a imagem é a melhor "desculpa" para contar (escrever).

Se eu tivesse dinheiro compraria o chão onde foi feita essa fotografia. Provavelmente o gramado estava bem verdinho no dia das Bodas. Meu avô era proprietário desse pequeno sítio, situado, literalmente, numa encosta. Raro era alguma parte plana. Criava alguns animais, vacas, porcos e carneiros. Plantava milho, batatas, arroz. Produzia mel (isso sempre me intrigou. Ou orgulhou?). Meu avô se despediu da vida três anos e meio depois de me tomar pela mão dessa forma resoluta e segura, o que transparece*. Com grandes sacrifícios e com uma luta constante, meu avô mantinha e produzia o seu sustento. Lembro de falas de minha mãe que sentia grande admiração por sua coragem e determinação. Engraçado! Foi a situação estável de um simples agricultor e seu único filho que fez com que meu avô materno concluísse que tratava-se de um bom partido para sua filha, minha mãe. Ele e sua visão romântica sobre amor e relacionamentos fez com que subestimasse a personalidade de minha mãe. E por isso, o casamento entre meu pai e minha mãe fora um projeto exitoso em incompatibilidade. Mas... Algo fez com que eu viesse ao mundo.

Não vejo isso com clareza na imagem, mas me contaram que meus avós me amaram muito e me tratavam com aquela doçura típica, bem para perpetuar um amor que já não era mais possível externar ao filho. Os netos chegam numa época em que a pessoa já amoleceu, já trabalhou para seu grande projeto de vida. E por ser na década de sessenta do século passado, mais do que nunca, a época da chegada dos netos encontrava um casal envelhecido e terno, diria, de coração amolecido. Posso supor que meu avô sorria muito mais para mim e me tomava no colo do que a seu próprio filho quando na mesma idade do que eu na foto. Gastamos muito tempo de nossas vidas correndo atrás de dinheiro e em tentativas de conquistá-lo. Quando estamos na fase de meus avós, não entramos em contato com a gravidade das doenças que nossos pequenos filhos tiveram. O trabalho muitas vezes ocupa o primeiro lugar dentre as prioridades. Mas alguém perguntará: "E como seria diferente? Quem traria o sustento para a família, senão pais empenhados?" Pois é...

Faltou-nos educação para lidar com o dinheiro. Faltou-nos consciência de que o dinheiro vinha para nossos bolsos e nós o gastamos erradamente. Lamentável!

Meu querido avô também cometeu um pecado a mais: trabalhou tanto e um trabalho duro e sacrificado, tomando sol em demasia, estendendo horas e horas de trabalho em busca do seu sonho. E, num de seus infartos, foi no riacho que corria ao lado da sua casa que ele tombou. Não para se refrescar depois de um dia de trabalho em busca de lazer. mas para anunciar que a morte estava em seu encalço. De um Dom Juan, que teve dois filhos antes de se casar com minha avó, os quais não assumiu devidamente, até à oportunidade de ser pai, quando pode ser meu avô.

Os pais (desde os meus pais) continuam a viver do mesmo jeito e lidando com os ganhos da mesma forma. É realmente uma pena que eu só tenha descoberto agora que fui como meu avô durante quarenta e um anos de minha profissão. Ensinar a poupar às minhas filhas está se mostrando uma tarefa que resulta em pouco crédito. Como se os tempos de produtividade da pessoa fosse infinita quando pensamos com a cabeça de vinte e trinta anos. Ao querer fazer essa educação, deparo-me com um mundo apelativo, que nos tornou a todos consumidores acríticos. Mudar a mentalidade de uma pessoa não é tarefa simples. É semelhante a lutar com as compulsões nos dias atuais. Quem se droga, não quer parar. Parar de gastar sem pensar é uma atitude de grande complexidade. É quase o que nos dá identidade. Precisar de tantas coisas, acostumar-se a elas, sentir falta delas, experimentar-se desconfortável são constatações de quem consome e quem um dia já consumiu. Ben Zruel tem razão. Nossa maneira de pensar sobre o dinheiro é a causa de tantas situações desagradáveis a que estamos expostos. Somos analfabetos quando o assunto é controle de gastos e prioridades financeiras.


*Camila, minha filha, observou advertidamente, que já naquela época eu tinha um olhar tristinho.

continua...

sábado, 10 de novembro de 2018

Antropologia da surpresa

Passaram-se poucos dias ... Poucos, sim.
E eu já nem lembro como era minha vida antes (sic).
Dei-me novos horários, com antigas tarefas travestidas de novas.
Parece, assim, entretanto, que tudo está igual.
O diferente só se esconde na natureza de minhas próprias imposições:
- não me levanto mais tão cedo. Já durmo até mais tarde (sempre o desejei).
- não me obrigo dormir antes da meia noite e meia. Antes era um suplício saber que somente restavam seis horas de descanso.
- relaxo mais nos fins de semana. A segunda-feira não me assusta mais. Não penso mais no drama do domingo à noite.
- faço comida mas não necessito observar tanto o relógio. Posso almoçar quando eu quiser.
Mas...
- ainda arrumo a cama diuturnamente, como se algo me impulsionasse mesmo quando gostaria de soltar meu corpo sobre o lençol amarrotado, sorrindo por nada.
- ainda arrumo os objetos e preservo seus lugares como se me pudesse faltar tempo para procurá-los.
- ainda não me convenci de que o dia é meu e que posso fazer uso de suas horas sem ter qualquer preocupação.
- ainda não saio em passeios nos dias de sol, mas me comporto como uma menina boazinha que precisa perguntar para mamãe se pode sair de casa.
- ainda estou presa aos meus velhos hábitos e parece interminável a lista de motivos que me fazem paralisar.
Faço um esforço enorme para me convencer que nada mais pode me controlar as sensações.
Chego à conclusão de que preciso pensar mais sobre o que me devolve às mesmas atividades de minha vida toda,
Surpreendo-me com a repetição, com meus dias iguais, com minha habitual indignação.
Temo que piorei a relação comigo mesma.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Cinco anos sem você

Ainda, sem que o "ainda" me alivie o vazio que você deixou, depois de cinco anos e tantas situações novas vividas, há momentos que só seriam completos se você estivesse aqui.

Você era diferente. Uma mulher com desejos e frustrações que me feririam de uma forma irrecuperável se os tivesse tido. 

Você era magrinha. Uma mulher com uma fome incontrolável mas sempre negada.

Você era sensação. Uma mulher que aprendeu consigo mesma o máximo dos segredos que deixariam as demais mulheres com vergonha.

Você era feita de abdicação. Uma mulher que sentiu profundamente os preconceitos contra quem não queria ser como todo mundo.

Você era triste. Uma mulher com o olhar esverdeado parecendo capim novo depois da chuva.

Você era um projeto de alguém. Mas não de seu pai, da sua mãe, do seu casamento ou da maternidade.

Você foi embora porque essa vida não estava lhe agradando mais. Você não podia mais abdicar de escolher o mesmo dia para dizer que nasceu e morreu.

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Professora Eliane: uma luz que nasceu no rio



A professora Eliane nasceu no trigésimo dia do mês de novembro de 1964. Jaraguaense, viveu grande parte de sua vida na comunidade de Rio da Luz, onde cursou os primeiros quatro anos do Ensino Fundamental. Foi na mesma comunidade que, aos quinze anos, iniciou sua carreira no Magistério. “Nasci tão perto da escola, que apenas uma parede separava nossa residência da sala de aula”, escreveu a professora Eliane na justificativa de seu projeto de pesquisa para o curso de Especialização em “Metodologia do Ensino”, que ela cursou, em 1994, no Centro Universitário de Jaraguá do Sul. Essa proximidade com a sala de aula deveu-se ao fato de ser filha de Darci Franke Welk, professora por mais de vinte anos na “Escola de Rio da Luz II”, hoje denominada “EMEF Henrique Heise”, que na época continha também a residência onde sua família morava.

A formação para o Magistério da professora Eliane iniciou no Ensino Médio, cursado no “Colégio Divina Providência”, em seguida no curso de Pedagogia, da “Associação Catarinense de Ensino”, em Joinville e no curso de Especialização, do “Centro Universitário de Jaraguá do Sul”.

A primeira experiência no Magistério, tendo a mãe como colega de trabalho, na então “Escola Isolada Rio da Luz II”, foi determinante para a sua futura atuação profissional e, em grande parte, ao que a professora Eliane representou para os profissionais da educação que com ela conviveram.

Quando se contempla sua atuação como diretora na Rede Municipal de Jaraguá do Sul, e, principalmente, em seus últimos anos de vida como gestora na “EMEF Albano Kanzler” compreende-se a importância da experiência que originou seu “jeito de ser”, no sentido mais marcante e bonito para o início de uma carreira. O relato versa sobre como podia ser desafiadora a função de professora recém-concursada na Rede Estadual e como chegou à sua primeira experiência como diretora da “EMEF Helmuth Guilherme Duwe”. Ouçamos a própria voz da professora Eliane nessa narrativa1:

(…) após ter prestado Concurso Público Estadual, efetivei-me na Escola Isolada Estrada Garibaldi, que ficava a dezessete quilômetros de minha residência. Esse trajeto era constituído de quatro quilômetros subindo serra e treze para descer. Ida e volta, trinta e quatro quilômetros, estrada de chão e muito emburacada.

Foi um ano difícil na questão financeira. Como não havia ônibus que passasse na escola, sujeitei-me à condução própria e no final do mês, o salário não cobria o combustível que gastava. Mas o que importava era a realização pessoal e a minha situação no quadro de pessoal do Estado. Foi uma experiência válida, para um despertar aos vários desafios que encontrei no decorrer do ano.

Apesar de ser uma escola pequena com apenas dez alunos (…), além de lecionar e fazer a limpeza com os alunos, preparava a merenda na própria sala de aula e estavam incluídos ainda o cultivo de uma horta e a limpeza do pátio. Por serem tão poucos alunos, é que foi possível me aproximar deles, chegar bem perto de cada um, fato este que me levou a um relacionamento e envolvimento afetivo muito grande. Formávamos um grupo onde as tarefas eram divididas e o resultado dos objetivos sempre foram alcançados.

Ao iniciar o ano letivo, visto tratar-se de uma nova realidade, onde tudo era desconhecido, inclusive o nível de aprendizagem que possuíam, resolvi fazer um ditado para saber onde iniciar. Para minha surpresa, deparei-me com o fato de que havia alunos na 2ª e na 3ª série que precisavam ser alfabetizados. Guardei as folhas nas quais fizeram o ditado e no final do ano as devolvi. Lembro do espanto de alguns que diziam: “Fui eu que fiz isso aí?” Naquele momento percebi o quanto foi gratificante a minha dedicação e empenho frente a esses alunos. Houve sintonia que resultou num trabalho positivo. Não posso deixar de citar a colaboração dos pais para que isso acontecesse.

O meu carinho pelos alunos era tão grande, e como não havia retorno financeiro para presenteá-los, marcamos uma data, consultamos os pais e os convidei para passarem um dia na minha casa. Isto aconteceu na Semana da Criança. Coloquei-os todos dentro do meu Parati e nos dirigimos a Rio da Luz, onde morava. É impossível descrever a emoção que se estampava no semblante de cada um. Foi um dia diferente. As refeições foram feitas em conjunto pois todos cabiam na mesa da cozinha.

O fim do ano chegou. Fizemos uma celebração de Natal juntamente com os pais que nunca haviam participado de uma festa de Natal na escola. Nesta comemoração cantei hinos de Natal, acompanhada de violão que eu mesma tocava.

Sabendo que o estágio probatório era de um ano, os pais estavam conscientes de que eu não voltaria no ano seguinte. (…) então surgiram as propostas deles me pagarem uma parte do combustível, uma mensalidade que ajudasse nos meus custos, mas consegui que percebessem a inviabilidade do pedido.

Pelo bom desempenho que tive nestes anos, recebi o convite de responder pela direção de uma Escola Reunida mais perto de minha casa. Foi uma proposta irrecusável. Era uma escola recém-criada que começou a funcionar com uma turma de 5ª série. Só mais tarde foi decretada Escola de Primeiro Grau com as séries sendo implantadas gradativamente. Isto fez com que eu respondesse pela direção, secretaria e ainda lecionava Português e Educação Artística. Atualmente a escola possui trezentos alunos de pré-escolar a 8ª série”.

A professora Eliane, na época, já se perguntava sobre o papel da afetividade na aprendizagem dos alunos. Ela conclui seu texto afirmando: “a afetividade não é uma utopia (…) é possível ser cultivada e que ela em grande parte é responsável pelos resultados da aprendizagem em nossos dias.” Quem conviveu com a Professora Eliane certamente pode afirmar que ela cultivou as qualidades mais desejáveis: solidariedade, compaixão, dedicação, fé no ser humano.

A professora Eliane pode ser considerada uma das pessoas mais empenhadas na luta por uma educação pública de qualidade. Através de seu incansável investimento na educação de crianças e jovens, atuou com dedicação e competência até o fim de sua vida, que ocorreu no dia 1º de agosto de 2014, aos 49 anos.

Para quem conviveu com Eliane, ficou a saudade. Para quem trabalhou com ela, ficou o exemplo.



1Este texto é de autoria da professora Eliane e consta do projeto de pesquisa do curso de Especialização em “Metodologia do Ensino”, cursado em 1994, no Centro Universitário de Jaraguá do Sul, sob orientação da professora doutora Amândia de Borba, da Univali. O referido trabalho encontra-se atualmente arquivado na Biblioteca da Universidade Católica de Santa Catarina.   

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Os motivos que a minha escrita tem


Não sei bem quando comecei a escrever.
Acho que foi antes dos treze
bem na época que inicia a puberdade nos seres humanos.
Não sei de onde vieram as primeiras palavras lançadas no papel.
Apenas aconteceu...
Não era para ser escritora.
Sabia pouco sobre a língua.
Intuía que deixar palavras escritas, vindas de um lugar desconhecido de dentro de mim,
fariam eu experimentar uma sensação de terapia constante.
Era a angústia de viver que surgia.
Essa tal de angústia existencial, próxima dos tímidos e recolhidos.

Lá em casa ninguém sorria à toa.
Também ninguém escrevia além do que exigia o magistério de minha mãe.
Então por quê eu tinha de escrever?
Livros não havia lido, textos não eram escritos na escola da época.
Como a escrita, então, tornou-se meu instrumento de comunicação?

Logo minhas poesias e poemas mal escritos começaram a incomodar.
Fiquei sabendo que a minha angústia me tornava uma inadequada.
Tudo teria sido melhor se eu não sentisse nada.
Se eu encarasse a vida com mais coragem.
Se eu tivesse buscado meus próprios caminhos.

Mas a vida não foi perfeita.
Tinha que cumprir minha tarefa de menina boazinha.
E desisti de fazer algo com minha vontade de escrever.
Transformei minha escrita numa panaceia, uma fuga para tudo o que me acontecia.
Até hoje.



quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

O nome dos medos


Madrugada serve para isso...
Descobrir a origem de nossos medos.

Comecei percebendo que todos os medos se originam de dentro de mim.
O contrário do que supunha.

Não tenho medo das coisas que me cercam, quase de nada.
Mas das que estão escondidas dentro do meu pensamento.

Então é fácil nominá-las. Eu as conheço pois todos os dias entro em contato com meus temores.
Nada está fora que não esteja primeiro amedrontando por dentro.

Medo número um: escolher algo e depois concluir que não foi o melhor e ter de conviver com a escolha indefinidamente.
Medo número dois: sentir tédio cotidianamente.
Medo número três: sentir a fraqueza do meu ser diante dos desafios cotidianos.
Medo número quatro: covardia em razão da acomodação.
Medo número cinco: medo de ter de enfrentar dificuldades financeiras.
Medo número seis: medo de ficar depressiva e não conseguir reagir.
Medo número sete: encarar a vida sem cor e se resignar a sua completa falta de sentido.

Os medos vão sendo desenhados em mim à medida que vou racionalizando minhas reações físicas.

O medo não tem a menor graça. Escrever sobre o medo só faz bem a mim.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Os medos e minhas avós



Os pensamentos não param de vir...
Alguns são coloridos e leves,
Outros pesados e assustadores.
Alguns fazem rir, outros entristecem o pensador.

Ultimamente os meus pensamentos me têm feito algo a mais: suar.

Durante parte de minha vida, com minhas avós, não fui preparada por elas sobre o descompasso dos hormônios resultarem em suores movidos pelos pensamentos.

Por quê elas não me descreveram esse fenômeno?
Ah, minhas avós não tinham medo. Elas faziam, viviam, sonhavam, dormiam diferente.
Nenhuma delas havia estado por quarenta anos fazendo a mesma coisa.

Elas não tinham colado na carne o cheiro da sala de aula.
Elas não tinham a marca das falas das crianças nas suas memórias.
Elas não estavam preocupadas se o tempo ocioso lhes causaria vazio e tédio.

Minhas avós superaram há muito tempo o chicote do julgamento.
A vida delas foi bonita. À maneira delas.

Uma, parecia-me próxima, carinhosa e frágil, para não dizer, adoecida desde seus dezesseis anos, quando se casou.
A outra, um farol de luz e força. Decidida e pouco afeita a queixas. Ainda que seus dedos tortos de artrose a tivessem denunciado.

Invejo minhas avós porque elas já conseguiram morrer. E morrer deve ser terrível. Morrer deve ser a personificação do medo. Não haverá medo maior do que aquele que anunciará a nossa morte. E elas, ah, elas, tão corajosas, já não terão mais de ter calores e suores de vida.

Eu devo muito as minhas avós. De alguma forma não responsabilizamos as avós por nossas mães terem sido o que foram. Nossas mães sempre serão as piores criaturas que alguém pode ter conhecido porque nunca poderemos entender as verdadeiras razões porque fizeram isto ou aquilo. As mães vão sempre carregar parte de nossos erros e sentiremos eterno prazer em dizer que por causa delas não fizemos grande coisa com nossa vida.

As mães, diferentes das avós, são voz corrente nos consultórios de terapia e levarão os créditos de quase toda nossa frustração. Não podemos viver sem nossas mães. Temos de responsabilizá-las porque a vida dá muito medo. Sem elas e suas próprias histórias e razões, nossas vidas teriam que assumir os riscos, os piores riscos que metem medo.

Nossas avós recebem um sorriso de leveza. Com elas conseguimos ser melhores do que realmente somos. Elas conseguem nos idealizar. Elas conseguem deixar que sejamos pouco e muito.