domingo, 5 de dezembro de 2010

Teatro sem camarote

Debrucei-me diversas vezes a pensar o que faria se amanhã não precisasse levantar-me cedo e ir ao trabalho. O que sentiria se pudesse parar de me indispor com o nada e fazer contemplar a passagem de minha vida e de outras vidas.
O tempo de um escritor, certamente, não está, por analogia, similar ao meu tempo. O escritor reúne um baú de ideias e condições que uma trabalhadora como eu não detém.
Se os dias fossem sempre como aqueles em que se tem um motivo para sair de casa, seria mais fácil.
Não foi com meu trabalho que aprendi uma lição das mais fundamentais. Foi com a história de vida de José Saramago.
Ele me ensinou que pelo menos uma vez ou outra é preciso ver a vida do ponto de vista do galinheiro (galinheiro é o lugar dentro de um teatro, com a visão menos privilegiada). Num teatro ópera, o galinheiro pode ser reconhecido o local mais impróprio para apreciar um bom espetáculo. Porém, a visão do ponto de vista do galinheiro pode surpreender e dar-nos uma experiência jamais possível de aprender se estamos confortavelmente instalados nos camarotes.
Movida por essa certeza, sentada no galinheiro para ver se compreendo essa coisa que é andar de olhos abertos e coração batendo, vou cumprindo meu tempo de sacrifício pacientemente.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

No tempo da casa


Eu tenho cada vez mais medo.
Medo de tomar banho, medo de sair debaixo das cobertas, medo de ver pessoas, medo de sentir sono e cansaço, medo de sentir frio, medo de não dar tempo de dormir o suficiente, medo de sentir falta de alguém, medo de me vestir e me sentir feia, mais do que de costume, medo das coisas novas que o mundo cria e eu nem fico sabendo, medo das invenções das pessoas, medo de sair de casa, medo de sentir a falta de vontade de sair, medo de meu desânimo, medo da falta de tudo, do dinheiro e da comida.
Todo esse medo vai embora na segunda-feira, de manhã. Na incumbência e na minha obrigação assumida, eu me levanto e sigo. O medo vai junto. Mas não titubeio em relação à decisão e hora de me levantar, tomar banho, comer, arrumar finalmente os cabelos, pegar tudo de que preciso: café, bolsa, chaves ou outras coisas, que vou colocando em ordem e no lugar de visualizar e ir-me.
Esse caminho é tão certo e me parece tão seguro e fácil que, como hoje, em nada se assemelha ao meu domingo. E, ainda assim, em verdade derradeira, eu preciso que o domingo transcorra exatamente assim.
Ficar nesta cama, nesta casa, nesta posição, com estas leituras (que sorte a minha ter desenvolvido o gosto de ler)é algo necessário. Amanhã não quero me experimentar exaurida por não ter dormido o suficiente hoje. Não quero sentir cansaço por ter escolhido vagar o domingo por aí, à procura de distração.
Não sei se durmo para viver ou se vivo para poder ter o domingo assim, isto é, vivo para dormir.
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Quem pode afirmar que essa vida é ruim? Por que essa vida é ruim?
Ninguém o sabe. A felicidade pode ser isso que eu sinto. Não tenho fome, não tenho dor, não tenho frio nem calor, não tenho sofrimento grande. Isto bem pode ser felicidade. Mas haverá quem diga que isso é um absurdo. Não sei. São pontos de vista.
Talvez daqui a alguns minutos C. me chame. E, como é minha vontade e obrigação, levantarei, arrumar-me-ei e a buscarei na casa da amiga. E então, como num reverso, vá almoçar com ela animadamente, contemplando a felicidade dela por ter passado o fim de semana com sua amiga. Por isso ela me disse: "Não quero meu namorado de volta. Eu quero minha amiga".
Felicidade tem tantos nomes! Felicidade tem tantas caras! Felicidade tem tantas escolhas!

Texto escrito em 06/07/08

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

As cores da rotina




As flores à beira do caminho
têm cores extraordinárias...
Pelo menos é assim que me parecem as pequenas colheitas aleatórias no cotidiano, durante a semana.
Perdemos as ilusões e não as perdemos para ficarmos tristes. Perdemo-las para não pensar que precisamos delas.
Penso... penso e quando vejo, o tempo já passou. Aí vem a chuva e depois vem o sol de novo e lá vem também o vento vespertino.
Os cães latem, as crianças sorriem para mim, os adultos bocejam e a comida está na mesa.
Começa o dia, termina do dia, durmo à noite e ainda estou serena com tudo.
Ah... de noite vem o prazer com a hora da leitura de Picard, o francês. Ele tem me feito pensar sobre minha necessidade de escrever. E, quando vejo, escrevo de novo isso. É assim... procuro sempre uma inspiração. Até em você eu a encontro. Ainda que não me dê muitos motivos. Talvez você mesmo seja o meu menor motivo.
Essa ideia está escondida entre os grãos de areia da rua em que caminho todas as manhãs e todas as tardes.

* Para J.L.C.B. 18/08/2009