domingo, 5 de dezembro de 2010

Teatro sem camarote

Debrucei-me diversas vezes a pensar o que faria se amanhã não precisasse levantar-me cedo e ir ao trabalho. O que sentiria se pudesse parar de me indispor com o nada e fazer contemplar a passagem de minha vida e de outras vidas.
O tempo de um escritor, certamente, não está, por analogia, similar ao meu tempo. O escritor reúne um baú de ideias e condições que uma trabalhadora como eu não detém.
Se os dias fossem sempre como aqueles em que se tem um motivo para sair de casa, seria mais fácil.
Não foi com meu trabalho que aprendi uma lição das mais fundamentais. Foi com a história de vida de José Saramago.
Ele me ensinou que pelo menos uma vez ou outra é preciso ver a vida do ponto de vista do galinheiro (galinheiro é o lugar dentro de um teatro, com a visão menos privilegiada). Num teatro ópera, o galinheiro pode ser reconhecido o local mais impróprio para apreciar um bom espetáculo. Porém, a visão do ponto de vista do galinheiro pode surpreender e dar-nos uma experiência jamais possível de aprender se estamos confortavelmente instalados nos camarotes.
Movida por essa certeza, sentada no galinheiro para ver se compreendo essa coisa que é andar de olhos abertos e coração batendo, vou cumprindo meu tempo de sacrifício pacientemente.