quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Foi assim...

Cada época carrega suas peculiares formas de ser no mundo.
Minha época de ter catorze anos não vejo mais muito em meu entorno.
Haverá aquelas meninas e aqueles meninos com histórias bem menos coloridas do que a minha, assim como a minha tem bem menos cores do que a de outros e de outras de realidades longe de mim.
As experiências não podem ser transferidas. É preciso que as tenhamos sem intermediários. E é desta vivência que vem minha inspiração de contar.
Despreocupo-me se ela vai parecer mais ou menos dramática se comparada com outras histórias. Preocupo-me mais com a exatidão dos sentimentos que emanam dessa época, numa tentativa de me desvencilhar do peso que as vivências imputam aos contadores.

Catorze anos é como nada. É a impotência em vida. Não se é mais criança, nem se é adulto.
Eu não sabia qual era meu lugar no mundo. Não fazia a menor ideia de meu peso, da minha fome, da minha sede, do meu querer e de meu poder.
Subir de tarde na ameixeira talvez fosse resquício da infância.
Mas já havia certa culpa em gastar o tempo com meninices. Assim, logo abandonei essa prática. Eu estava crescendo e devia me preocupar como se ganhava o sustento.
Eu era desprovida da capacidade de acreditar que meus sonhos seriam levados em conta. Nisso nunca me enganei.

Logo, nem quinze haviam sido comemorados e eu fui ceifada pela vida a começar ter pensamentos organizados e responsáveis.
Sim, você vai trabalhar. Será professora. Começará em poucos dias. Como é digna essa tarefa!

E tudo se encaixou a partir daí.
Não sei o que pode ser salvo da minha ingênua imaginação sobre como queria viver o futuro. Sei que não incluía trabalhar de catorze para quinze, quando eu mesma ainda carecia de colo e olhar de cuidado de meus pais.

A realidade ficou mais dura ainda. Isso me ensinou a ser forte e não sucumbir fácil diante das intempéries. Talvez quem devesse me acolher tinha começado ainda mais cedo a sofrer da doença da vida adulta. Com esse pensamento, o silêncio foi a saída.

Quase vinte e três horas. Só alguns estudantes na rua. Todos indo para suas casas. Para o aconchego de suas camas, seus lençois, seus familiares ainda acordados, esperando-os, talvez.

Chegando à casa que me receberia, que não era minha, essa ficava bem longe, ainda tinha, comumente, acordar quem me abrisse a porta, batendo vigorosamente, com aquela sensação desagradável de estar incomodando a paz alheia.

Tarde para quem tinha cartorze. Cedo acordar na manhã seguinte. Ninguém era responsável por meu bem estar. Disso me ressentia.

Café preto com açúcar, apenas. Ônibus tinha de ser pego.Voltar para casa?
Não, no caminho parar, de estômago vazio, desde o dia anterior, cinco da tarde.
- Você quer dinheiro para um sanduíche?
- Não, não precisa.

Talvez precisasse mas a pergunta dispensava a gentileza de quem devia saber de minhas necessidades. Se não sabia é porque não as via.

Dez horas da manhã. Primeira refeição em muitas horas. Ah, havia a merenda, que era parte de meu trabalho preparar. Professora que fazia merenda para as crianças. Ela, criança crescida e suas crianças pequenas. (Hoje o problema é recusar a comida, que torna os adolescentes acima do peso. Meu problema era a magreza, a falta do que comer, a refeição que tinha de ser preparada, caso contrário não se comia).

Onze e meia. Finalmente a volta para casa. Trabalhar e estudar, ficar tantas horas sem a assistência de quem deveria saber de mim e finalmente a volta para casa.
E, quem estava lá? Ninguém que lembra essas mães que esperam os filhos com almoço na mesa. Sempre me pergunto se essas mães existem.

A cozinha vazia e fria. Está com fome? Faça-se algo. Estão no trabalho todos os outros. Devia ficar feliz porque o trabalho nunca faltou. Mas e o meu vazio de menina de catorze anos, quem preencheria com uma comida quentinha, um olhar atencioso e minha cama todas as noites?

*Inspirado por uma menina de catorze anos que eu não conheço.

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