quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Cotidiano e angústia




Faço tudo.

Menos escrever.

Mas eu sei do porquê.

É que tanto faz o que eu faço, pois o que quero é aplacar minha angústia da vida cotidiana.

Bem provável seja que eu aumente minha angústia se eu deixar de fazer o que elejo como algo que deva ser feito, caso escrevesse nessas horas. 

Escrever é tão eficaz quanto lavar louça. 

Eficaz, mas não prioridade. 

Noto que prioridade são os afazeres da casa, dos quais enjoo muitas vezes, mas dos quais não consigo abrir mão se quero me sentir menos angustiada. É como uma fórmula. Tacanha, limitante. Inconsciente razão.

É uma grande fonte de angústia quando os móveis estão empoeirados. Quando o chão tem resquícios de uso e contém partículas de comida, outros restos. É fonte de angústia a sacada cheia de folhas secas, de gotas de chuva que me impedem de pisar ali. É fonte de angústia quando chega o anoitecer e eu não tomei banho. A angústia vem pelo fato de temer que sentirei preguiça e consequente irritação por ser tão insolente e ousada em ter preguiça. E talvez porque suponha não querer me mexer e me dar essa tarefa tão chata que é tomar banho. 

A vida é um rolo compressor que me esmaga se não ando para frente com ela. Eu gosto muito de andar para frente. Gostaria de viajar por aí de dia e fazer coisas de lugar em lugar. De ter uma agenda de afazeres leves, como entregar algo, como passear e sair do lugar. Como estar distraída de mim e de minhas manias para não sofrer a estagnação que a preguiça me impõe. 

Quando eu era criança tinha tarefas e tarefas. As mesmas de hoje ainda. Se, acaso eu não as fizesse, ou se não aparecesse para cumpri-las, a sensação que me dava era que poderia se passar um enorme espaço de tempo, um, dois, três anos e essas mesmas tarefas estariam ali me esperando. 

Hoje, ao invés de diminuir meus afazeres, eu os acumulo, eu os invento. Ninguém conseguiu me aliviar das minhas obrigações. Impuseram-me novas em troca de amor e carinho. Eu tenho um marido que paga a comida. Mas eu tenho que prepará-la. Se um dia não quiser fazer a comida, o arroz, a carne, os ovos, os tomates, as cebolas, as cebolinhas, o sal, o açúcar, a manteiga, o bacon não vão pular fora do armário e da geladeira para as panelas e se cozinhar. 

Se eu quiser continuar casada tenho que dar conta de minha tarefa. Eu tenho uma coisa, mas não tenho a outra. Eu tenho com quem dormir, mas não tenho liberdade para não cumprir minhas tarefas. 

Quem me convoca ao compromisso não é o outro. Sou eu mesma. Mascaro alguma coisa que eu ainda não sei. Sei que com o que faço diminuo minha angústia. 

E quando a angústia ultrapassa passar pano de lã no chão, tirar o pó dos móveis, esfregar a pia do banheiro, recolher os cabelos no chão, cozinhar longas e longas horas, molhar e molhar as plantas, passar aspirador, dobrar roupas... Eu escrevo!

Por isso, não sou escritora. Eu não invento histórias. Eu não escrevo do mesmo jeito que lavo milhares de pratos. Eu não coloco "o escrever" como um trabalho que tem de ser feito. Eu não tenho ideias.

Pode ser... Pode ser que esse esvaziamento da escrita esteja na adolescência, quando eu escrevia  poemas e pequenas histórias, as quais minha mãe considerou sem importância. Pode ser também que o desdém de minha mãe não seja a causa de não ter me empenhado para ser escritora. 

Talvez a falta de valorização dos meus escritos tenha coincidido com o fato de eu apenas querer escrever por angústia. Nesse sentido, tanto faz pensar que um não incentivo ou a falta de talento sejam a causa de não ter me tornado escritora. 

Pergunto: qual a importância que tem para mim a minha escrita? Talvez de um a cem, dois. Dois é como nada. Dois perde para noventa e oito praticamente cinquenta vezes. Então, no fundo, fui eu mesma a sabotadora de minha escrita. Sou péssima leitora, sou péssima escritora. Não dou a mínima aos livros e aos meus escritos. Isso é deprimente. Isso é feio. Isso é triste. Isso não é bom.    

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